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Arquitetos: Carlos Castanheira
- Área: 228 m²
- Ano: 2021
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Fotografias:Fernando Guerra | FG + SG
Descrição enviada pela equipe de projeto. As Casas da Ermida – nome que eu lhes dei pois é o nome do Lugar. Ali estavam, e bem, elevadas sobre o Rio. O Rio Douro. Com a construção da Barragem de Carrapatelo, o Rio chegou-se aos terrenos e às Casas. Muitas ficaram lá por baixo, escondidas nas águas. A classificação de Zona Reservada de Albufeira também chegou definida pela linha a 50m da margem do Rio. Que sobe e ... desce. Depende.
A linha, traçada no papel, – disseram-nos – morde o beiral da Casa da Ermida de Baixo. Está em Zona classificada. Embora ruína está condicionada. A Casa de Cima é livre desta linha rigorosa e a liberdade é sempre desejada, bem-vinda. Quando visitei o Lugar da Ermida, desci pela rampa na esperança de que nenhum veículo viesse a subir.
Lá em baixo as ruínas - do que foram em tempos casas onde famílias viveram – apresentavam alguns pormenores de quem sabe trabalhar a pedra e desta fazer espaços para viver. Restos de lares que deixaram de o ser por imposição dos novos tempos. Pela beleza do Lugar pode parecer estranho alguém deixar de ter vontade de ali viver. Só a necessidade obriga a deixar tanto para trás. O que ficou, deu lugar a ruínas que aos poucos foram parcialmente ocupadas pela Natureza. Ricas em estórias e histórias. Desconhecidas, mas imaginadas.
Casa de Cima. O que fazer daquilo que só era uma memória? Os novos proprietários, entusiasmados pela beleza do lugar, imaginavam a transformação daquelas pedras em espaço, conforto, descanso e encontro de família e amigos. Contemplação. A intenção da compra tinha implícita a sua recuperação. Ou restruturação? Eu perguntava-me ... mas como? Pergunto-me sempre... Limpou-se o que a Natureza tomou conta com o tempo a ajudar.
Aos poucos entendem-se melhor as formas das pedras, os contornos dos volumes, o sol e a luz. Estabilizámos o existente, intervindo mas sem alterar a morfologia da antiga Casa. Reintroduzimos as estruturas de madeira. Aqui e acolá arriscámos uma fenestração mais ampla. Sobre o rio.
Em baixo a Cozinha e a Sala. Em cima um Quarto e um Banho. O volume é o que já era. Os materiais os mesmo, com exceção da impermeabilização das coberturas, optando-se por zinco laminado, com maior adaptação à geometria arrevesada. E qualidade.
Casa de Cima – quase colada à de baixo, mas fora da Área Classificada, uns cinquenta e cinco metros da margem do Rio – tudo parecia mais fácil, mais imediato. Mas em Arquitetura o que é imediato é traiçoeiro. Problemas de humidade a resolver, pois nasce da pedra que também é parede. Paredes a estabilizar, estruturas de madeira – nos pisos, paredes e coberturas.
Uma única Casa, mas dois volumes e duas coberturas. Tentar uni-las seria um erro. Embora duas Casas e dois Processos distintos, entendem-se como um todo e interagem volumetricamente com a ajuda da materialidade e texturas dos poucos materiais que a constroem e a revestem; o granito cansado pelo tempo, sobre o qual foram montados volumes em madeira revestidos pelo exterior a lajetas de ardósia e a contraplacado de bétula pelo interior.
Os pavimentos – interiores e exteriores – foram revestidos a xisto multicolor. Reestruturar uma ruína implica a introdução das infraestruturas, outrora ausentes, mas agora imprescindíveis. Estão lá. A preocupação foi ficarem longe da vista e perto do desnecessário. Limpou-se a Natureza do que era infestante ou excessivo. Aguarda o restabelecimento do equilibro, que se ajustará ao futuro, naturalmente. Constantemente.
Agora já é possível lá viver. Chegou a parecer que não queriam. Talvez por ter a ponta do beiral do telhado a 49,5m da margem do Rio. Talvez seja Planeamento.
Porto-Istambul, 05 Junho 2023. Carlos Castanheira